8 de abril de 2011

Breve comentário sobre um desdobramento do Massacre de Realengo

Estava assistindo a uma reportagem do JN, que falava da necessidade de apoio psicológico às crianças sobreviventes do massacre de Realengo, em função do trauma; que este tipo de episódio cria os mesmos impactos de uma situação de guerra, etc. Tudo isto está certo! Temos de cuidar das crianças que testemunharam a esta tragédia, temos de cuidar das famílias. Principalmente, temos de começar a fazer isto parando de exibir repetidas vezes as cenas do assassino na escola (sobretudo, quando isto é feito somente em busca de valiosos pontos de Ibope), temos de parar de expor a dor e as identidades destas crianças, e de insistir em reavivar a sua dor através do estímulo à recordação constante dos momentos de terror.
Contudo, em meio às entrevistas com psicólogos, durante a reportagem, me aflorou uma memória e uma velha constatação: a dor, o medo e o espanto social, estão começando a ser "espetacularizados", e, com isso, vai se perdendo, uma vez mais (já são tantas) a oportunidade de se colocar em pauta um debate social necessário e que deve ser feito de modo amplo e profundo. Isto sem contar que a emergente discussão acerca do perfil racista da sociedade brasileira micou de vez, e há dois dias ninguém mais fala o que acontece no resto do país.
Se nos lembrarmos que em situações como o Massacre da Candelária, NINGUÉM na mídia ou onde quer que seja (exceto os mesmos alguns defensores de direitos humanos, tão amaldiçoados e execrados pela sociedade "de bem"...) falou em apoio ou atendimento ou atenção às crianças que sobreviveram ao testemunho do massacre, chegamos a ter uma visão de como uns são mais brasileiros e importantes do que outros....e este é um dos principais combustíveis do barril de pólvora em cima do qual estamos sentamos. Não nos esqueçamos que o cara do sequestro ônibus 147 (o Sandro,lembra?), era uma das crianças que sobreviveram ao massacre da Candelária e, obviamente, teve de se virar sozinho com seus fantasmas e traumas (que, certamente, contavam, outros mais, decorrentes de uma vida de exposição à violência e à agressão de todas as formas, praticadas por todos da sociedade).
Na época da Candelária, ninguém foi até lá fazer discursos, não houve entrevistas coletivas do governador e prefeito, policiais não foram heróis (até porque foram policiais que levaram a cabo o massacre das crianças que dormiam debaixo de uma marquise...), ninguém foi até lá amparar as crianças (exceto uma artista plástica, que passou a noite seguinte ao massacre acordada, sozinha, velando o sono das crianças sobreviventes no mesmo local....nem mesmo a polícia estava lá), ninguém falou no dever do Estado ou da sociedade em cuidar destas crianças, ninguém depositou flores ou mensagens ou cruzes no local do crime.
Precisamos, sim, cuidar das crianças que testemunharam esta trágica cena, ocorrida em Realengo. Mas não podemos perpetuar a sensação de que o país só se comove quando certas crianças são mortas (como ocorreu também, por exemplo, nos casos Isabela e Eloá...) e segue indiferente em relação ao massacre de outras.
Assassinatos de crianças a sangue frio, com contornos de execução, com padrão e motivação randômicos, feitos por pessoas dos mais variados perfis psicóticos (de pedófilos e infanticidas a pai, parentes ou agregados violentos), ocorrem, de modo ininterrupto, todos os dias, em muitas cidades brasileiras. A diferença é que as vítimas, muitas vezes, ão vistas pela sociedade em geral como "descartáveis" ou insignificantes, e estes eventos não chegam à mídia.
Como diria Herbert Viana:
"A polícia apresenta suas armas, escudos transparentes, cassetetes, capacetes reluzentes, E a determinação de manter tudo em seu lugar.
O governo apresenta suas armas, discurso reticente, novidade inconsistente, E a liberdade cai por terra aos pés de um filme de Godard.
A cidade apresenta suas armas, Meninos nos sinais, mendigos pelos cantos, E o espanto está nos olhos de quem vê o grande monstro a se criar.
Os negros apresentam suas armas, as costas marcadas, as mãos calejadas
E a esperteza que só tem quem tá cansado de apanhar".

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